Psicóloga fala sobre a dor e o desafio de enfrentar o luto durante a pandemia

Por Redação em 04/11/2020 às 12:56:44

O luto e os desafios da superação foi o tema da Entrevista da Semana da Rádio TRT FM 104.3, da 23ª Região (MT). A psicóloga e diretora do Centro de Estudos da Família e do Indivíduo (Cefi) de Porto Alegre, Adriana Zilberman, abordou o assunto nessa segunda-feira (02), no jornal TRT Notícias.

A psicóloga falou sobre como lidar com a morte quando não há despedidas, como tem acontecido muito em 2020 em razão da pandemia do novo coronavírus. A profissional explicou também como funciona o luto e como perceber se há necessidade de buscar ajudar profissional.

Leia a entrevista:

O luto tem um prazo determinado para acabar?

O luto é um processo e cada pessoa vai vivê-lo na sua singularidade. Ele é um processo complexo, não existe um início, meio e fim. Hoje, nós já sabemos que não é linear, pelo contrário, é um processo com altos e baixos, com muitas oscilações. Então, é possível que a pessoa tenha necessidade de ficar mais recolhida, mais triste, até poder seguir seus projetos de vida, seguir o fluxo da vida. Mesmo assim, em alguns momentos é possível que essa pessoa se sinta triste de novo.

Os estudos mais atuais mostram que o luto é um processo oscilante e que pode também ter gatilhos disparadores em alguns momentos que fazem a pessoa lembrar e se conectar de novo com o sofrimento por uma perda. Não é um processo  em que a gente vai passando por etapas, é um processo meio bagunçado até porque cada pessoa vai viver isso de acordo com as suas questões internas e também conforme o contexto, com o ambiente onde ela está inserida. Assim, podem ter reforçadores externos que podem dificultar um enfrentamento e também os mecanismos que essa pessoa usa na sua vida para enfrentar momentos e situações difíceis.

Existe ainda a questão da segurança e da adaptação para a seguir a vida sem aquela pessoa importante que não está mais presente fisicamente.

Como lidar com a dor da morte quando não se há despedida?

É bem complicado este momento que nós estamos vivendo na pandemia do novo coronavírus. O processo de luto por morte tem uma série de peculiaridades, a pessoa tem vários desafios e a impossibilidade de ter uma despedida ou de honrar aquela pessoa, através de uma celebração, de um ritual, pode ser mais um fator, entre outros, que é preciso cruzar. Isso é um elemento significativo e pode gerar emoções como culpa, indignação ou senso de justiça e aquela pessoa pode ficar estagnada nesse processo, ruminando pensamentos relacionados à situação, o que pode se tornar um obstáculo.

Sem dúvida, este é um momento novo porque é uma situação inusitada para todos e estamos buscando formas de ajudar as pessoas a encontrarem alternativas de fazer esses rituais dentro da possibilidade que nós temos e para que as pessoas possam se reunir virtualmente. Existem grupos especializados trabalhando também nesse sentido, criando formas de trazer conforto para as pessoas nesses momentos de despedida.

Vivemos luto por outras perdas que não sejam a morte? Como lidar e ter forças para dar a volta por cima?

Ao longo da vida, o ser humano vai se deparando com uma série de perdas, que envolvem desde questões biológicas, como o crescimento, perda de um corpo infantil, depois perda de uma condição para outra. Ao longo do ciclo da vida, nós já temos naturalmente algumas perdas, que podem nos gerar um processo de luto e cada pessoa vai viver esse processo de forma muito singular.

A gente vive perdas que são significativas e uma coisa importante é que a nossa sociedade, normalmente, vai criando regras de como as pessoas devem manifestar o seu luto, de como elas podem expressar a sua tristeza e frustração. Muitas vezes, as pessoas acabam não expressando, não demonstrando, com receio, com vergonha de que elas não estejam dentro dos padrões esperados da chamada "normalidade" de como as pessoas devem lidar com essas perdas. Nesse contexto, uma das coisas que a gente sabe, que é um preditor de saúde mental é poder permitir realmente que as pessoas vivam essas experiências de perdas e que elas tenham espaço para poder compartilhar e para poder entender que são processos naturais, que fazem parte da vida. Todos nós vamos nos deparar com pequenos e grandes lutos ao longo do nosso ciclo.

Quando a dor pode virar uma doença? Quando é hora de busca ajuda?

Esta é uma pergunta bem importante, mas também bem difícil de responder porque, primeiro, luto não é uma doença e sim um processo saudável, reparador e necessário para que a gente lide com as perdas.

Agora, o luto pode se tornar complicado ou ter características complicadas quando existe algum bloqueio que impede a pessoa de poder lidar com algumas das áreas importantes da vida dela. Nesse caso, isso pode trazer prejuízos no trabalho, na produtividade ou nas relações, nos vínculos familiares ou com amigos... Enfim, existe um prejuízo visível, significativo ou a pessoa está num processo interno, também de muita luta interna, que a gente chama de sofrimento sujo, ou seja, a pessoa fica lutando porque ela não se conforma, não aceita. Vive então um conflito interno, muitas vezes de forma silenciosa e aquilo então vai consumindo e dificultando que a pessoa siga os desafios e as tarefas que tem.

É muito difícil a gente diagnosticar essa situação, mas é importante quando a gente percebe que uma pessoa que tem prejuízos, que está estancada de alguma forma ou que está muito isolada das outras pessoas, não quer falar e não consegue dosar. Essa pessoa está realmente apresentando dificuldades e precisa ser encaminhada para um profissional que tenha conhecimento técnico sobre terapia do luto.

O que fazer para não ficar doente quando somos invadidos pelo medo, ansiedade, tristeza ou frustração?

É muito importante diferenciarmos tristeza de depressão. A depressão e a ansiedade são transtornos psiquiátricos, transtornos mentais. Nós podemos muitas vezes verificar uma pessoa enlutada com uma tristeza, aquela falta de prazer ou falta de motivação para fazer coisas rotineiras, básicas do dia a dia ou de coisas maiores, como sair para o trabalho.

É importante estar atento aos sintomas que podem surgir sobrepostos ao processo de luto e também conhecer um pouco da história dessa pessoa, pois pode ocorrer que, além do luto, já tenha um foco de depressão, de algum transtorno de ansiedade, que pode ser exacerbado pelo luto. Esse processo, que para a maioria de nós é como se fosse um tsunami, uma avalanche, que não nos dá tempo de se organizar, de se ajustar. Com essa vulnerabilidade, o ambiente se torna propício a desenvolver problemas de saúde mental e, nesse caso, é preciso consultar um profissional.

Quais as dicas para seguir em frente com otimismo e com qualidade de vida?

É muito difícil pensar em como buscar qualidade de vida quando nós estamos sentindo que o mundo está paralisado. Parece que as coisas nunca mais vão voltar ao que eram antes, tudo é muito estranho e às vezes até a gente sente não tem mais um lugar aqui, onde possa se sentir bem de novo. Isso é um processo, as coisas vão se acomodando com o tempo, as pessoas vão encontrando formas de se relacionar com as suas perdas e com os desafios para seguir em frente. Pode sim ter uma qualidade de vida depois de uma perda, por mais traumática que seja, mas um dos elementos importantes é que a pessoa possa realmente dar espaço para viver esse processo do luto. Outro ponto importante, é a presença de pessoas queridas prontas para dar apoio de alguma forma.

Com a pandemia, estar ali fisicamente pode não ser possível, mas tem muitas formas de prestar nossa solidariedade e compaixão. Todavia, é preciso evitar falar coisas racionais como: " foi melhor assim", "a pessoa descansou" porque isso não faz sentido para pessoa enlutada. Ela está vivendo aquele processo, ela está inconformada, muitas vezes ela está com raiva de tudo, de todos, às vezes, até de Deus, então essas palavras só vão fazer ela se sentir mais inadequada ou culpada porque ela não tá se sentindo assim.

O que pode realmente ajudar é só dizer "estou aqui contigo" "conta comigo" "é difícil mesmo, mas no que eu puder te ajudar eu estou por aqui". Palavras ou coisas que realmente não fazem sentido não vão ajudar porque tem um processo cognitivo também, da pessoa aceitar essa nova realidade, além da questão principal, é lidar com esse turbilhão de emoções, que é muito intenso.

Outro aspecto é não forçar a barra, não se exigir demais, que precisa "ah, eu tenho que ser forte, eu tenho que fazer as coisas porque as pessoas dependem de mim", também poder cuidar dos seus limites, poder ver quando a gente precisa sim de ajuda, precisa de suporte das pessoas que estão próximas da gente. Isso pode ajudar bastante nesse árduo processo.

Fonte: TRT da 23ª Região (MT)

Fonte: TST

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