Pioneiro na sistematização da jurisprudĂȘncia da Corte, ministro Victor Nunes Leal dĂĄ nome à biblioteca do STF

Por Redação em 14/10/2021 às 14:55:33

Neste ano de comemorações dos 130 anos da biblioteca do Supremo Tribunal Federal (STF), um nome merece destaque: Victor Nunes Leal. Idealizador das sĂșmulas, responsĂĄvel por organizar a jurisprudĂȘncia da Casa e por buscar formas de racionalizar a pauta de julgamentos, o ministro dĂĄ nome ao espaço.

A homenagem foi decidida em março de 2001, sob a presidĂȘncia do ministro Carlos Velloso. A "Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal" foi inaugurada, com esse nome, em 18 de abril daquele ano e passou a funcionar no 1Âș andar do anexo II do STF. Na solenidade, o ministro Velloso afirmou que Victor Nunes, se pudesse, aprovaria a escolha da biblioteca, "o lugar mais importante dentre as dependĂȘncias do Supremo Tribunal Federal", para homenageĂĄ-lo.

ReverĂȘncia

A homenagem não foi mera formalidade, mas uma reverĂȘncia à enorme contribuição dada pelo ministro Victor Nunes na sistematização das decisões predominantes do Tribunal, como a criação das sĂșmulas, voltadas a orientar e consolidar os entendimentos.

O discurso em nome da Corte, no dia da inauguração, foi feito pelo grande amigo SepĂșlveda Pertence, que se tornara ministro do STF anos após a aposentadoria compulsória de Victor Nunes Leal. Pertence observou que o STF não é dado a honrarias pessoais a seus ministros e indagou por que daria a um de seus mais nobres espaços o nome de um de seus integrantes. A resposta estava na forma como Victor Nunes Leal dispunha de informação imediata de precedentes de jurisprudĂȘncia, anotados e cuidadosamente organizados em seus cadernos de capa verde, que, segundo Pertence, "entraram para a história do Tribunal".

Cadernos de capa verde

Esses cadernos, que o ministro levava para as sessões, continham dados como nĂșmero do processo, relator, data do julgamento e o voto de cada ministro sobre o tema em debate. A organização, a eficiĂȘncia e o método de reunião de informações levaria a inovações que mudaram a forma de trabalho da Corte.

A mais célebre delas é a sĂșmula, que, segundo o próprio Victor Nunes Leal, nasceu "da dificuldade de os ministros identificarem as matérias que jĂĄ não convinha discutir novamente, salvo se sobreviesse algum motivo relevante".

Relator da reforma regimental que instituiu as sĂșmulas, o ministro SepĂșlveda Pertence lembrou que elas jĂĄ nasceram com 370 enunciados. Hoje, jĂĄ são 736 que integram a jurisprudĂȘncia do STF.

A partir da Emenda Constitucional 45/2004 (Reforma do JudiciĂĄrio), foram criadas as sĂșmulas vinculantes, que tĂȘm força normativa sobre os órgãos do Poder JudiciĂĄrio e sobre toda a administração direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. O STF jĂĄ aprovou 58 sĂșmulas vinculantes.

Na avaliação de Pertence, só a sĂșmula jĂĄ bastava para sintetizar a importância da passagem de Victor Nunes pelo STF, "essa combinação incomum de um jurista de brilho intelectual invulgar com um organizador extraordinĂĄrio". Essa metodologia levou à racionalização da pauta de julgamentos e à atualização da publicação da Revista Trimestral de JurisprudĂȘncia.

Ele era obstinado em tornar a prestação jurisdicional mais célere e precisa. Mas sua voz na defesa pĂșblica da instituição e seu posicionamento contra reformas e iniciativas do então governo levaram-no à destituição do cargo - a aposentadoria compulsória pelo Ato Institucional (AI) nÂș 5, de 13 de dezembro de 1968. Para o amigo e admirador SepĂșlveda Pertence, a outorga do nome de Victor Nunes Leal à Biblioteca do STF "resgata a presença moral" do jurista no Tribunal para todas as gerações a partir de então.?

Para o secretĂĄrio de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação do STF, Alexandre Freire, ĂĄrea responsĂĄvel pela biblioteca, "o ministro Victor Nunes foi um pensador original, um cientista polĂ­tico de primeira linha e um jurista refinado, sempre preocupado com o fim social do Direito". No STF, foi pioneiro ao pensar, nos anos 60, modelos sofisticados de gestão para a Corte, destacou.

Biografia

Natural do distrito de Alvorada, pertencente ao MunicĂ­pio de Carangola (MG), Victor Nunes Leal nasceu em 11 de novembro de 1914. Aos 22 anos, graduou-se em ciĂȘncias jurĂ­dicas e sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Jurista e jornalista, foi nomeado ministro do STF por decreto do presidente da RepĂșblica Juscelino Kubitschek em 26 de novembro de 1960, para ocupar a vaga aberta pela aposentadoria do ministro Francisco de Paula Rocha Lagôa. Em 7 de dezembro, tomou posse no cargo e foi o Ășltimo a ocupar a cadeira nĂșmero 15, extinta por força do Ato Institucional nÂș 6, em 1969.

Compôs o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do qual exerceu a Vice-PresidĂȘncia de 1966? a 1969. O governo militar o aposentou um dia após ter assumido a Vice-PresidĂȘncia do STF. Após deixar a vida pĂșblica, voltou às atividades como advogado. Faleceu aos 71 anos, no Rio de Janeiro, em 17 de maio de 1985.

Publicações

Victor Nunes teve vĂĄrios estudos publicados em revistas especializadas, com destaque para a Revista Forense e a Revista de Direito Administrativo. Alguns de seus textos foram reunidos no volume Problemas de Direito PĂșblico (1960) e no livreto TrĂȘs Ensaios de Administração (1958). Seus pareceres emitidos como consultor-geral da RepĂșblica (1966) também foram compilados num volume.

A tese que defendeu para ingresso como professor da Universidade do Brasil - "O municipalismo e o regime representativo no Brasil - uma contribuição para o estudo do coronelismo" - foi editada posteriormente e reconhecida como sua mais importante obra, com o tĂ­tulo "Coronelismo, enxada e voto".? A obra, de 1948, estĂĄ em destaque na Biblioteca do STF, ao lado de um exemplar dos cadernos de capa verde.

Para a coordenadora da Biblioteca, Luiza Gallo Pestano, "manter um exposição permanente com essas principais contribuições intelectuais do ministro, e com alguns objetos pessoais, traz personalidade à biblioteca. Sua obra - Coronelismo, enxada e voto - é tratada como obra rara no nosso acervo, pois além de ser uma obra do ministro, é a primeira edição e traz dedicatória em sua folha de rosto. Além disso, é uma obra que se mantém atual sendo muito citada por pesquisadores".

Foram editadas, ainda, duas conferĂȘncias do ministro sobre o STF publicadas na Revista de Informação Legislativa, do Senado Federal, sobre os "Aspectos da Reforma JudiciĂĄria (1965)". Em 1997, na série Arquivos do Ministério da Justiça, foi publicada a obra "Problemas de Direito PĂșblico e outros problemas", com apresentação do ministro Nelson Jobim, então titular da pasta da Justiça, e introdução do ministro SepĂșlveda Pertence, que exercia a PresidĂȘncia do Supremo.

InteligĂȘncia artificial

Além da biblioteca, Victor Nunes Leal também batiza o projeto Victor, que utiliza a inteligĂȘncia artificial na aplicação dos precedentes judiciais aos recursos, especialmente quanto à referĂȘncia em casos de repercussão geral. O Victor foi criado em 2017, a partir de uma parceria entre o STF e a Universidade de BrasĂ­lia (UnB).

O programa é pioneiro, inclusive internacionalmente, na aplicação de inteligĂȘncia artificial na anĂĄlise dos recursos extraordinĂĄrios recebidos de todo o paĂ­s. A iniciativa estĂĄ inspirando tribunais estaduais a adotarem a inteligĂȘncia artificial na classificação de processos e temas.

CĂĄtedra

O ministro também batiza o programa de intercâmbio nacional e internacional do STF, chamado CĂĄtedra Victor Nunes Leal (CVNL), inaugurado em setembro deste ano pelo presidente Luiz Fux, com a seleção de trĂȘs estudantes da universidade de Oxford, na Inglaterra. O programa é destinado a estudantes e pesquisadores brasileiros e estrangeiros interessados em trocar experiĂȘncias acadĂȘmicas e desenvolver pesquisas teóricas e de campo sobre temas de interesse do STF.

Em âmbito nacional, estão abertas as inscrições para a primeira edição do Programa de Intercâmbio Nacional da CĂĄtedra Victor Nunes Leal, voltada aos pesquisadores brasileiros. São oferecidas seis vagas, duas para cada uma das seguintes linhas de pesquisa: "Cortes constitucionais digitais e julgamentos virtuais (PlenĂĄrio Virtual)", "Governança em cortes constitucionais" e "A atuação das instituições pĂșblicas no perĂ­odo da pandemia da covid-19".

Os interessados devem preencher o formulĂĄrio de inscrição para o processo seletivo até hoje (14). As inscrições são gratuitas, e informações adicionais podem ser encontradas no edital. O programa? CĂĄtedra Victor Nunes Leal é desenvolvido pela Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação do STF.

Hall dos Bustos

Desde novembro de 2014, uma escultura do ministro Victor Nunes Leal integra o Hall dos Bustos do STF. Na inauguração, o então presidente da Corte, ministro Ricardo Lewandowski, ressaltou em seu discurso a relevância do homenageado para a história do PaĂ­s e a luta por ele travada na defesa dos direitos democrĂĄticos.

O busto foi produzido em São Paulo, por encomenda do Instituto Victor Nunes Leal (IVNL), que também foi o autor do pedido feito à Corte para homenagear o magistrado. A obra foi produzida pelo escultor CĂ­cero D"Ávila, famoso por suas obras expostas no Brasil e em outros paĂ­ses. No espaço, encontram-se bustos em bronze de figuras da História do Brasil, como D. Pedro I, o Barão do Rio Branco, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa.


Fonte: STF

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