No julgamento realizado pela Décima Primeira Turma do TRT mineiro, os julgadores se depararam com a situação de empregados rurais trabalhando a céu aberto nas plantações de cana-de-açúcar, em condições de risco previsível, especialmente em épocas de tempestades. Ao analisar o conjunto de provas, o relator do caso, desembargador Antônio Gomes de Vasconcelos, constatou que ocorreu falha nas medidas preventivas. No entender do magistrado, a negligência ficou evidente pela falta de adoção de medidas de proteção contra raios e ausência de treinamento adequado por parte das empresas. O voto do relator foi acompanhado pelos demais julgadores, que reconheceram a responsabilidade solidária entre tomadora e prestadora de serviços pelo acidente e morte de um empregado atingido por raio, após apenas 22 dias da admissão no emprego. As empresas foram condenadas ao pagamento de indenizações por danos materiais e morais devido à negligência na adoção de medidas de segurança. O valor da indenização por danos morais foi de R$ 100 mil para cada um dos cinco filhos menores, totalizando R$ 500 mil.
Entenda o caso
Conforme relatos das testemunhas, o profissional estava trabalhando na plantação de cana-de-açúcar em uma área rural situada no Paraná. O local apresentava um índice intermediário de descargas atmosféricas, especialmente elevado no mês de fevereiro, que é a época com maior incidência de tempestades na região.
No dia 23 de fevereiro de 2023, às 12h30, começou a chover levemente. Com o início da garoa, os trabalhadores da frente de trabalho começaram a se deslocar do talhão de plantio para se abrigarem no ônibus, que estava a aproximadamente 355 metros de distância. Às 12h32, a garoa se transformou em uma chuva intensa com descargas atmosféricas fortes. Enquanto a maioria dos trabalhadores seguiu pelos carreadores para chegar ao ônibus, um empregado decidiu atravessar o terreno plantado, cortando caminho sozinho. A chuva intensa com raios durou entre 5 a 8 minutos e, então, cessou.
Durante essa tempestade, o empregado rural foi atingido por um raio. Os trabalhadores no ônibus ouviram um forte trovão, que acreditaram ter sido o raio fatal. Após a cessação da tempestade, os colegas de trabalho perceberam a ausência do trabalhador e avistaram uma garrafa térmica no talhão de cana. Ao se aproximarem, encontraram o colega já sem vida, caído no terreno, a cerca de 160 metros do ônibus. A investigação conduzida pelos órgãos policiais concluiu que a causa da morte do trabalhador foi uma descarga elétrica atmosférica.
A sentença do juízo da Vara do Trabalho de Teófilo Otoni havia negado os pedidos de indenização por danos materiais e morais. O juiz sentenciante havia entendido que o falecimento do empregado resultou de evento inevitável, pelo qual não há culpados. Os filhos recorreram da decisão, buscando o reconhecimento da responsabilidade solidária das empresas e a decisão de primeiro grau foi modificada para deferir em segundo grau os pedidos dos menores.
Falta de medidas de segurança
Ao discordar dos fundamentos da sentença, o desembargador relator observou que, de acordo com a prova pericial produzida no processo, o evento que acarretou a morte do empregado (queda de um raio), embora seja inevitável, é um evento previsível. O magistrado ressaltou que o risco da atividade econômica desenvolvida pelas empresas é cientificamente comprovado, como mostra a cartilha "Proteção contra rios", desenvolvida pelo Grupo de Eletricidade Atmosférica (ELAT) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). O referido estudo evidencia "o que não fazer sob os riscos de uma tempestade na área rural".
Além disso, destacou que "um levantamento inédito elaborado pelo ELAT reuniu informações coletadas pelo Departamento de Informações e Análise Epidemiológica (CGIAE) do Ministério da Saúde, veículos da imprensa e dados de população do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no período de 2000 a 2019. Os resultados revelam um total de 2.194 fatalidades registradas; uma média de 110 casos por ano no período. Dentre as principais circunstâncias de fatalidades, os maiores percentuais são aqueles associados a atividades de agronegócio (26%)".
A investigação revelou que não havia para-raios instalados nas proximidades e os trabalhadores não foram devidamente treinados ou informados sobre os riscos de tempestades.
Em seu exame, o relator constatou que as reclamadas não adotaram medidas preventivas adequadas, como a instalação de para-raios ou o fornecimento de treinamento sobre os riscos de tempestades e descargas elétricas, o que caracterizou negligência e resultou na responsabilidade solidária pelo acidente.
"O empregador deve adotar as medidas para reduzir os riscos a que estão expostos os empregados, conforme já abordado. Diante desse cenário, respeitosamente, adoto perspectiva diversa da sentença e entendo que, no caso, há responsabilidade sob duplo enfoque, à luz da responsabilidade objetiva e subjetiva", enfatizou o voto condutor. Ele explicou que a responsabilidade objetiva decorre do fato de que as atividades desempenhadas pelo empregado na plantação e cultivo de cana-de-açúcar o expuseram a risco especial em relação a outros, já que ele trabalhava em local aberto, sem viabilidade técnica de proteção por meio de para-raios, como indicado pelo perito oficial. Por outro lado, ele entendeu que também há responsabilidade subjetiva das reclamadas pelo acidente, porque elas não provaram a adoção de todas as cautelas para garantir condições de trabalho seguras, o que contribuiu para o resultado trágico.
Destacou o relator a afirmação de uma testemunha no sentido de que as empresas não orientaram os trabalhadores a respeito de acidentes com raio naquela região antes da morte do empregado. Somente após o falecimento dele, houve reunião com orientação sobre o risco de raio. Além disso, as empresas não anexaram ao processo documentos importantes, como o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) e o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO). "Assim, está evidenciada a conduta culposa das reclamadas, que não demonstraram ter tomado as cautelas suficientes para garantir condições de trabalho hígidas, o que, por certo, comprometeu a integridade física do empregado", concluiu o relator. Os julgadores concluíram que essa negligência contribuiu diretamente para a ocorrência da tragédia.
Responsabilidade solidária
O desembargador destacou que, de acordo com a legislação brasileira e convenções internacionais, as empresas têm o dever de garantir a segurança dos trabalhadores. Ele frisou que tanto a usina de cana-de-açúcar quanto a empresa terceirizada, especializada em serviços de preparação de terreno, cultivo e colheita, são solidariamente responsáveis pelo acidente, já que ambas se beneficiavam do trabalho realizado pelo empregado falecido.
Conforme pontuou o magistrado, nos termos do artigo 17 da Convenção 155 da OIT sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores e o Meio Ambiente de Trabalho, ratificada pelo Brasil, "sempre que duas ou mais empresas desenvolverem simultaneamente atividades num mesmo local de trabalho, as mesmas terão o dever de colaborar na aplicação das medidas previstas na presente Convenção". De acordo com a conclusão do relator, "em razão do contrato de prestação de serviços firmado entre as reclamadas, ambas se valiam da força de trabalho do empregado falecido, motivo pelo qual as rés são solidariamente responsáveis".
Indenizações devidas
A decisão determinou que as empresas paguem indenizações por danos materiais e morais. A indenização por danos materiais será calculada com base no salário do trabalhador e será paga de uma só vez, com uma redução de 20% para ajustar o valor ao pagamento antecipado, observando-se, ainda, a idade do falecimento (41 anos), a expectativa de vida (76 anos de idade), e levando em consideração o cálculo da idade de 25 anos do filho mais novo, que tinha três anos na época da perda precoce do pai. De acordo com a decisão, a indenização por danos materiais deverá ser calculada com base no último salário do empregado, corrigido pelos mesmos índices de correção aplicáveis aos salários dos demais empregados, sem prejuízo da correção pela taxa SELIC após seu vencimento, com a dedução do valor correspondente a 1/3 da remuneração, presumivelmente destinado às despesas pessoais do empregado. Além disso, cada um dos cinco filhos menores de idade do trabalhador falecido receberá indenização de R$ 100 mil por danos morais, totalizando R$ 500 mil. As empresas ainda estão no prazo para interposição de recursos.