Para a 2ÂȘ Turma, o fato de as duas processarem a empresa pelo mesmo motivo não gera suspeição
A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que uma testemunha seja ouvida na ação por assédio sexual movida por uma trabalhadora contra seu empregador. Para o colegiado, o fato de a testemunha também ter entrado na Justiça contra a empresa pelo mesmo motivo não caracteriza troca de favores.
Ao contrĂĄrio, segundo a relatora, ministra Maria Helena Mallmann, tendo em vista que a ação investiga atos ilĂcitos que atentam contra a liberdade sexual, a palavra das vĂtimas deve ter valor de prova especial. "Esse tipo de violĂȘncia é praticado de forma velada, dificultando significativamente sua demonstração em juĂzo", ressaltou.
Supervisor forçava contato fĂsico
Na ação, a trabalhadora, na época com 18 anos, disse que prestava serviços terceirizados temporĂĄrios, e suas atividades de separação de materiais exigiam agachamentos constantes. Em diversas ocasiões, o supervisor forçou contato fĂsico aproveitando-se desse movimento. Ao reagir às investidas, ouviu dele que ela tinha de obedecĂȘ-lo, "pois quem manda sou eu, vocĂȘs tĂȘm que fazer tudo ao que falo". Uma colega compartilhou sua indignação e disse ter sofrido abordagens semelhantes.
Ela relata que informou os fatos à tomadora de serviços e pediu transferĂȘncia de setor, mas, em vez de tomar providĂȘncias, a empresa a demitiu.
Tomadora de serviços disse que conduta da trabalhadora era imatura
A prestadora de serviço, em sua defesa, alegou que a dispensa se dera com o encerramento da demanda complementar que havia motivado a contratação e que não tomara conhecimento dos fatos, porque apenas intermediava a mão de obra.
A tomadora, por sua vez, negou que se tratava de assédio. "O que se observa é uma conduta imatura da trabalhadora, normal ao primeiro emprego, mas nunca a caracterização de conduta que dĂȘ ensejo a algo tão grave, como o assédio sexual", sustentou.
Testemunha disse que também foi assediada
Na audiĂȘncia de conciliação, uma testemunha indicada pela trabalhadora, confirmou os relatos da colega e disse que tinha ouvido de uma empregada da tomadora de serviço que, se elas quisessem ser efetivadas, "teriam que dar" para o supervisor. Ao procurar o RH, ouviu da responsĂĄvel que jĂĄ tinham recebido relatos e estavam "trabalhando" com o supervisor sobre a questão. No entanto, dias depois, as duas foram dispensadas.
A empresa questionou a validade desse depoimento, alegando que a testemunha também tinha uma ação contra ela pelo mesmo motivo e, por isso, não teria isenção para depor. A situação, a seu ver, caracterizava "troca de favores".
A juĂza de primeiro grau acolheu o argumento da empresa e ouviu a colega apenas como informante, cujo depoimento tem peso menor. Com isso, julgou improcedente o pedido de indenização da trabalhadora, por entender que não houve prova do assédio sexual além desse depoimento.
A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ÂȘ Região (MG), com o mesmo entendimento. Para o TRT, era evidente que a informante tinha interesse na causa, por ter ação semelhante contra a empresa.
Para relatora, provar assédio sexual é um desafio
Ao examinar o recurso de revista da trabalhadora, a ministra Maria Helena Mallmann explicou que, de acordo com a jurisprudĂȘncia do TST (SĂșmula 357), o simples fato de uma testemunha ter ou ter tido uma ação contra o mesmo empregador não a torna suspeita. No caso, nem a juĂza nem o TRT apontaram indĂcios de troca de favores.
A ministra lembrou que a comprovação do assédio sexual no âmbito do trabalho é uma tarefa desafiadora, que exige de quem julga sensibilidade às peculiaridades desse tipo de situação, em especial ao fato de se tratarem de eventos traumĂĄticos "praticados de forma furtiva, disfarçada, suscitando nas vĂtimas sentimento de estigma e vergonha". Atento a isso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) adotou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de GĂȘnero.
Segundo a relatora, a adoção dessa perspectiva na Justiça do Trabalho é de extrema importância, porque é esse ramo do JudiciĂĄrio que busca corrigir as assimetrias entre o capital e o trabalho. Para Maria Helena Mallmann, o TRT, ao concluir que a testemunha tinha interesse na causa, deixou de considerar o contexto em que o conflito estĂĄ inserido, "marcado por fatores sobrepostos de opressão". Assim, a admissão da testemunha apenas como informante cerceou o direito de defesa da trabalhadora.
Por unanimidade, a Turma determinou o retorno do caso ao TRT para que dĂȘ eficĂĄcia plena ao depoimento da testemunha e reexamine as provas.