?A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que o direito real de habitação – previsto no artigo 1.831 do Código Civil – pode ser mitigado quando houver um Ășnico imóvel a inventariar entre os descendentes, e o cônjuge ou companheiro sobrevivente tiver recursos financeiros suficientes para assegurar sua subsistĂȘncia e moradia em condições dignas.
O entendimento foi fixado pelo colegiado ao dar provimento ao recurso especial em que dois irmãos pediam a exclusão do direito real de habitação da viĂșva de seu pai sobre o Ășnico imóvel deixado por ele ao morrer.
Na origem do caso, os irmãos ajuizaram ação de inventĂĄrio, argumentando que o direito real de habitação poderia ser mitigado em favor dos direitos de herança e de propriedade, jĂĄ que a viĂșva possuĂa recursos financeiros suficientes para sua subsistĂȘncia.
ViĂșva recebe pensão e tem recursos em banco
As instâncias ordinĂĄrias negaram o pedido dos irmãos, e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) enfatizou que o direito real de habitação é um mecanismo de proteção do cônjuge ou companheiro sobrevivente, evitando sua exclusão do imóvel familiar, independentemente da existĂȘncia de outros bens no inventĂĄrio.
No recurso ao STJ, os herdeiros alegaram que a viĂșva recebe pensão integral do falecido, que era procurador federal, com benefĂcios equivalentes aos dos procuradores em atividade, além de possuir mais de R$ 400 mil em sua conta bancĂĄria, o que lhe permitiria morar em um imóvel de padrão semelhante ou superior ao deixado pelo marido.
Também sustentaram que, como o imóvel é o Ășnico bem a ser inventariado e hĂĄ pequena diferença de idade entre a viĂșva e os herdeiros, estes teriam poucas chances de usufruir da propriedade.
Direito real de habitação não é absoluto e pode sofrer mitigação
A ministra Nancy Andrighi, relatora, comentou que o direito real de habitação é uma garantia importante no âmbito sucessório, com carĂĄter protetivo para o cônjuge sobrevivente, assegurando seu direito constitucional à moradia e preservando a convivĂȘncia no lar compartilhado com o falecido.
No entanto, ela observou que esse direito não é absoluto e, em situações especĂficas e excepcionais, pode ser mitigado, especialmente quando não atende à sua finalidade social, sendo necessĂĄrio avaliar caso a caso a prevalĂȘncia do direito dos herdeiros em comparação com o direito do cônjuge sobrevivente.
Entre as situações que justificam a relativização do direito de habitação, a ministra citou o caso em que hĂĄ apenas um imóvel a inventariar, de propriedade exclusiva dos herdeiros, e o cônjuge sobrevivente possui outros bens que garantem sua subsistĂȘncia e moradia dignas. Além disso, segundo a relatora, pode ocorrer a necessidade de flexibilização quando o direito do convivente à habitação prejudica outros membros vulnerĂĄveis do nĂșcleo familiar, como crianças, idosos ou pessoas com deficiĂȘncia, que também residiam no imóvel.
Manutenção do direito real traria prejuĂzos insustentĂĄveis aos herdeiros
Nesse contexto, a ministra ressaltou que o artigo 1.831 do Código Civil deve ser interpretado de modo que, como regra geral, o direito real de habitação seja garantido ao cônjuge sobrevivente, desde que cumpridos os requisitos legais, podendo esse direito ser relativizado em situações excepcionais, quando sua manutenção acarretar prejuĂzos insustentĂĄveis aos herdeiros e não se justificar diante das condições econômicas e pessoais do cônjuge sobrevivente.
"Na excepcional situação examinada, deve-se relativizar o direito real de habitação da convivente supérstite. Isso porque restou comprovado que a recorrida possui recursos financeiros suficientes para assegurar a sua subsistĂȘncia e moradia dignas, bem como foi demonstrado que o imóvel no qual residia com o de cujus é o Ășnico a inventariar entre os descendentes, sendo que a manutenção do referido direito real acarretarĂĄ prejuĂzos insustentĂĄveis aos herdeiros – que jamais usufruirão do bem em vida", concluiu.