A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que a interposição de um recurso inexistente não impede a parte de protocolar posteriormente o recurso correto contra a mesma decisão judicial, pois não ocorre nessa situação a preclusão consumativa. Segundo o colegiado, interpor um recurso inexistente não gera efeito jurĂdico, uma vez que, pela própria definição, ele não existe no ordenamento processual.
No caso, um homem ingressou com ação de indenização por danos materiais e morais, buscando reparação pelos prejuĂzos sofridos em sua plantação de milho devido à invasão da propriedade pelo gado supostamente pertencente aos réus. Em primeira instância, o juiz extinguiu o processo em relação a um dos réus, por reconhecer sua ilegitimidade passiva.
Insatisfeito com a decisão, o autor interpôs agravo retido, que não foi conhecido, pois esse tipo de recurso não é mais previsto desde a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015. Como o corréu havia entrado com embargos de declaração para discutir honorĂĄrios de sucumbĂȘncia e isso provocou a suspensão do prazo recursal, a parte autora teve tempo de protocolar o agravo de instrumento, recurso correto para contestar a exclusão do corréu. Este, por sua vez, alegou preclusão consumativa, argumentando que o autor jĂĄ havia utilizado o agravo retido para impugnar a mesma decisão.
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) deu provimento ao agravo de instrumento e reintegrou o corréu no polo passivo da demanda.
Recurso inexistente não representa a prĂĄtica de uma faculdade processual
O relator do caso na Quarta Turma, ministro Antonio Carlos Ferreira, destacou que, conforme a jurisprudĂȘncia do STJ (AgInt nos EAg 1.213.737), o sistema recursal brasileiro adota o princĂpio da unicidade ou unirrecorribilidade, segundo o qual, se uma parte interpõe dois recursos contra a mesma decisão, a preclusão consumativa impede a anĂĄlise do segundo recurso protocolado.
Entretanto, no caso em questão, o ministro ressaltou que o primeiro recurso apresentado, um agravo retido, não era previsto na legislação vigente como meio vĂĄlido de impugnação. "Segundo o princĂpio da taxatividade recursal, só se consideram recursos aqueles expressamente previstos na lei. De modo que, sem previsão legal, a impugnação recursal não possui existĂȘncia jurĂdica e, portanto, é desprovida da capacidade de gerar efeitos jurĂdicos. Decerto a previsão legal é elemento essencial para existĂȘncia do recurso", disse.
Nesse contexto, o ministro enfatizou que, na verdade, não houve a interposição de dois recursos – agravo retido e agravo de instrumento –, mas de apenas um: o agravo de instrumento, pois o agravo retido, por não estar previsto na legislação vigente, não pode ser considerado um recurso vĂĄlido.
"A preclusão consumativa pressupõe o exercĂcio de uma faculdade ou poder processual. Como um recurso inexistente não representa validamente a prĂĄtica de nenhuma faculdade processual, não se pode falar em preclusão consumativa decorrente de sua interposição. A preclusão consumativa requer a prĂĄtica de um ato processual, o que não ocorre no caso de o recurso ser inexistente", concluiu.