Terceira Turma garante direito à indicação de gĂȘnero neutro no registro civil

Por Redação em 08/06/2025 às 08:16:00
?A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que é possĂ­vel retificar o registro civil para fazer constar o gĂȘnero neutro. Para o colegiado, apesar de não existir legislação especĂ­fica sobre o tema, não hĂĄ razão jurĂ­dica para a distinção entre pessoas transgĂȘnero binĂĄrias – que jĂĄ possuem o direito à alteração do registro civil, de masculino para feminino ou vice-versa – das não binĂĄrias, devendo prevalecer no registro a identidade autopercebida pelo indivĂ­duo.

Ainda segundo o colegiado, o direito à autodeterminação de gĂȘnero e à identidade sexual estĂĄ intimamente relacionado ao livre desenvolvimento da personalidade e ao direito do ser humano de fazer as escolhas que dão sentido à sua vida. Por outro lado, os ministros esclareceram que a decisão não elimina o registro de gĂȘnero da certidão de nascimento, mas apenas assegura à pessoa o reconhecimento formal de sua identidade.

"Todos que tĂȘm gĂȘnero não binĂĄrio e querem decidir sobre sua identidade de gĂȘnero devem receber respeito e dignidade, para que não sejam estigmatizados e fiquem à margem da lei", declarou a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, acrescentando que tais pessoas tĂȘm o direito de se autodeterminar.

Instâncias ordinĂĄrias negaram a retificação do registro civil
No caso analisado, a pessoa que ajuizou a ação de retificação de registro civil diz ter enfrentado dificuldades emocionais e psicológicas, tendo feito cirurgias e tratamento hormonal para mudar de sexo. Apesar de jĂĄ ter alterado o nome e o gĂȘnero no registro, percebeu que, na verdade, não se identificava como homem nem como mulher – ou seja, era não binĂĄria.

Antes de recorrer ao STJ, ela teve o pedido negado pelas instâncias ordinĂĄrias. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) afirmou, entre outras questões, que o ordenamento jurĂ­dico prevĂȘ apenas a existĂȘncia dos gĂȘneros feminino e masculino, e que a eventual adoção do gĂȘnero neutro exigiria antes um amplo debate e o estabelecimento de uma regulamentação a respeito.

JurisprudĂȘncia jĂĄ admite que pessoas trans mudem prenome e gĂȘnero
Nancy Andrighi ressaltou que toda pessoa tem assegurada a autonomia para a determinação de uma personalidade livre, sem interferĂȘncia do Estado ou de particulares. Dessa forma, prosseguiu, a autodeterminação de gĂȘnero e a identidade sexual – direitos amparados por clĂĄusula geral de proteção à personalidade prevista no artigo 12 do Código Civil – estão diretamente ligadas às escolhas pessoais que dão sentido à vida.

Segundo a relatora, a evolução da jurisprudĂȘncia e as alterações legislativas permitiram até aqui que pessoas transgĂȘnero pedissem extrajudicialmente a mudança de prenome e gĂȘnero, de acordo com sua autoidentificação. No entanto, ela explicou que essas alterações levaram em conta a lógica binĂĄria de gĂȘnero masculino/feminino, a qual representa a normatividade padrão esperada pela sociedade.

"Seria incongruente admitir-se posicionamento diverso para a hipótese de transgeneridade binĂĄria e não binĂĄria, uma vez que em ambas as experiĂȘncias hĂĄ dissonância com o gĂȘnero que foi atribuĂ­do ao nascimento, devendo prevalecer a identidade autopercebida, como reflexo da autonomia privada e expressão mĂĄxima da dignidade humana", refletiu a ministra.

Falta de regra especĂ­fica não pode deixar o tema sem solução
Com base nos artigos 4Âș da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e 140 do Código de Processo Civil, Nancy Andrighi lembrou que a lacuna sobre o tema na legislação não pode deixĂĄ-lo sem solução nem ser confundida com ausĂȘncia do próprio direito.

A relatora comentou que jĂĄ existem experiĂȘncias estrangeiras na ĂĄrea do direito que reconhecem a existĂȘncia de um terceiro gĂȘnero, não binĂĄrio. Como exemplos, citou a Alemanha, a AustrĂĄlia, a França, a Holanda e a Índia.

Fonte: STJ

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