?A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que a guarda municipal, apesar de integrar o sistema de segurança pĂșblica – conforme afirmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF 995, em agosto Ășltimo –, não possui as funções ostensivas tĂpicas da PolĂcia Militar nem as investigativas próprias da PolĂcia Civil. Assim, em regra, estão fora de suas atribuições atividades como a investigação de suspeitos de crimes que não tenham relação com bens, serviços e instalações do municĂpio.
No julgamento, a seção absolveu um réu acusado de trĂĄfico porque as provas foram obtidas por guardas municipais em revista pessoal, sem que houvesse indĂcios prévios para justificar a diligĂȘncia nem qualquer relação com as atribuições da corporação.
Para o colegiado, embora a Constituição e a legislação federal não deem à guarda o status de "polĂcia municipal", é admissĂvel, em situações excepcionais, que os membros da corporação realizem busca pessoal, mas apenas quando houver demonstração concreta de que a diligĂȘncia tem relação direta com a finalidade da guarda.
PolĂcias estão submetidas a controle externo
"Salvo na hipótese de flagrante delito, só é possĂvel que as guardas municipais realizem excepcionalmente busca pessoal se, além de justa causa para a medida (fundada suspeita), houver pertinĂȘncia com a necessidade de tutelar a integridade de bens e instalações ou assegurar a adequada execução dos serviços municipais, assim como proteger os seus respectivos usuĂĄrios", disse o relator do caso julgado na seção, ministro Rogerio Schietti Cruz.
Segundo ele, isso não se confunde com permissão para o desempenho de atividades ostensivas ou investigativas, tĂpicas das polĂcias militar e civil, em qualquer contexto de combate à criminalidade urbana.
De acordo com o relator, as polĂcias civil e militar, como contrapartida ao exercĂcio do monopólio estatal da violĂȘncia, estão sujeitas a um rĂgido controle externo do Ministério PĂșblico e do Poder JudiciĂĄrio, o que não ocorre com as guardas municipais. "Fossem elas verdadeiras polĂcias, por certo também deveriam estar sujeitas ao controle externo do Parquet e do Poder JudiciĂĄrio, em correições periódicas", ressaltou.
Schietti comentou que os bombeiros militares e os policiais penais também integram o rol de órgãos do sistema de segurança pĂșblica previsto no artigo 144 da Constituição, porém ninguém cogita que possam executar funções como patrulhamento ostensivo das ruas e revista de pessoas em via pĂșblica à procura de drogas.
MunicĂpios tĂȘm equipado guardas com armas de alto poder letal
Rogerio Schietti destacou o "potencial caótico" de se autorizar que cada um dos 5.570 municĂpios brasileiros tenha a sua própria polĂcia, subordinada apenas ao prefeito local e sem correições externas. O ministro lembrou que vĂĄrios municĂpios estão equipando as guardas com armas de alto poder de letalidade, ao mesmo tempo em que crescem as notĂcias de abusos por parte de seus membros.
Em seu voto, o ministro apontou ainda que, ao julgar a ADPF 995, o STF repetiu o Estatuto das Guardas Municipais (Lei 13.022/2014) ao afirmar que cabe à corporação combater infrações "que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais", o que é – segundo a corte – uma "atividade tĂpica de segurança pĂșblica exercida na tutela do patrimônio municipal"; e que, igualmente, a proteção da população que utiliza tais bens, serviços e instalações "é atividade tĂpica de órgão de segurança pĂșblica".
"Verifica-se, portanto, que mesmo a proteção da população do municĂpio, embora se inclua nas atribuições das guardas municipais, deve respeitar as competĂȘncias dos órgãos federais e estaduais e estĂĄ vinculada ao contexto de utilização dos bens, serviços e instalações municipais", disse Schietti, ressaltando a total compatibilidade entre o entendimento da Sexta Turma (jĂĄ assentado antes no REsp 1.977.119) e a jurisprudĂȘncia do STF.