A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, validou um testamento particular em que as testemunhas não foram capazes de confirmar em juĂzo a manifestação de vontade da testadora, a data em que o testamento foi elaborado, o modo como foi assinado e outros elementos relacionados ao ato.
De acordo com o colegiado, é preciso flexibilidade para conciliar o cumprimento das formalidades legais com o respeito à Ășltima vontade do testador.
No caso dos autos, duas pessoas interpuseram recurso especial no STJ depois que as instâncias ordinĂĄrias negaram seus pedidos de abertura, registro e cumprimento de um testamento particular, pois as testemunhas ouvidas em juĂzo não esclareceram as circunstâncias em que o documento foi lavrado nem qual era a manifestação de vontade da testadora.
Apuração das instâncias ordinĂĄrias se distanciou dos requisitos legais
A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, observou que a confirmação do testamento particular estĂĄ condicionada à presença de requisitos alternativos: ou as testemunhas confirmam o fato da disposição ou confirmam que o testamento foi lido perante elas e que as assinaturas no documento são delas e do testador.
Contudo, a ministra apontou que, na hipótese dos autos, as testemunhas foram questionadas especificamente sobre a vontade da testadora, as circunstâncias em que foi lavrado o testamento, a data ou o ano de sua assinatura, se foi assinado fĂsica ou eletronicamente e se a assinatura se deu em cartório ou na casa da testadora.
Segundo a relatora, a apuração fĂĄtica das instâncias ordinĂĄrias se distanciou dos requisitos previstos no artigo 1.878, caput, do Código Civil (CC), uma vez que as testemunhas foram questionadas sobre detalhes distintos daqueles previstos em lei.
"O legislador não elencou uma parte significativa dos elementos fĂĄticos que foram apurados nas instâncias ordinĂĄrias porque o distanciamento temporal entre a lavratura do testamento e a sua confirmação pode ser demasiadamente longo, inviabilizando que as testemunhas confirmassem, anos ou décadas depois, elementos internos ou inerentes ao testamento", declarou.
Para o STJ, é possĂvel flexibilizar as formalidades exigidas para a validade do testamento
A relatora também ressaltou que, tendo como base a preservação da vontade do testador, o STJ possui jurisprudĂȘncia consolidada no sentido de que é admissĂvel alguma espécie de flexibilização nas formalidades exigidas para a validade de um testamento.
A tĂtulo de exemplo, a ministra citou a decisão proferida no REsp 828.616, em que se reconheceu que o descumprimento de determinada formalidade – no caso, a falta de leitura do testamento perante trĂȘs testemunhas reunidas concomitantemente – não era suficiente para invalidar o documento, pois as testemunhas confirmaram que o próprio testador foi quem leu o conteĂșdo para elas e, ainda, confirmaram as assinaturas presentes no testamento.
"O exame da jurisprudĂȘncia revela que esta corte tem sido ciosa na indispensĂĄvel busca pelo equilĂbrio entre a necessidade de cumprimento de formalidades essenciais nos testamentos particulares (respeitando-se, pois, a solenidade e a ritualĂstica própria, em homenagem à segurança jurĂdica) e a necessidade, também premente, de abrandamento de determinadas formalidades para que sejam adequadamente respeitadas as manifestações de Ășltima vontade do testador", concluiu Nancy Andrighi ao dar provimento ao recurso especial.