A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a competĂȘncia da Justiça estadual (ou distrital) para julgar processos de repactuação de dĂvidas previstos no artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), mesmo nas hipóteses de um ente federal integrar o polo passivo da demanda.
Para o colegiado, a situação configura uma exceção e não atrai a regra de competĂȘncia da Justiça Federal prevista no inciso I do artigo 109 da Constituição Federal.
O relator do conflito, ministro João OtĂĄvio de Noronha, explicou que as mudanças introduzidas no CDC pela Lei 14.181/2021, entre elas o conceito de superendividamento, exigem uma visão global da pessoa envolvida no ato de consumo, não apenas focando no negócio jurĂdico em exame.
Ele explicou que a natureza do processo por superendividamento tem a finalidade de preservar o mĂnimo existencial e, mesmo antes da introdução deste conceito no CDC, o STJ jĂĄ acentuava a imprescindibilidade de preservação do mĂnimo existencial nos casos de renegociação de dĂvidas, em consonância com o princĂpio da dignidade da pessoa humana.
O ministro citou precedentes segundo os quais, nos casos de processos de superendividamento, as empresas pĂșblicas, excepcionalmente, estão sujeitas à competĂȘncia da Justiça estadual, em razão do carĂĄter concursal e da pluralidade de partes envolvidas.
"A despeito de o processo por superendividamento não importar em declaração de insolvĂȘncia, a recente orientação firmada na Segunda Seção do STJ é no sentido da fixação da competĂȘncia da Justiça estadual ou distrital mesmo quando figure como parte ou interessado um ente federal, dada a natureza concursal", comentou o ministro ao fundamentar seu voto.
Superendividamento e a necessidade de renegociação de dĂvidas
No caso analisado, o consumidor ajuizou uma ação de repactuação de dĂvidas com base no conceito de superendividamento previsto no CDC. A demanda envolveu vĂĄrias instituições financeiras, entre elas a Caixa Econômica Federal, e requereu a limitação dos descontos em R$ 15 mil por mĂȘs.
Constada a presença da Caixa Econômica Federal no polo passivo, o juĂzo distrital declinou a competĂȘncia do caso para a Justiça Federal. Por sua vez, o juĂzo federal suscitou o conflito e destacou que a demanda de repactuação de dĂvidas diz respeito à situação de insolvĂȘncia civil, o que seria uma exclusão à regra prevista na Constituição para a competĂȘncia federal.
Ao analisar o conflito de competĂȘncia, o ministro João Otavio de Noronha elencou semelhanças entre o processo de renegociação de dĂvidas com base em superendividamento e o de recuperação de empresas regrado pela Lei 11.101/2005.
Para o ministro, assim como no caso das empresas, a definição de um juĂzo universal se faz necessĂĄria no caso da pessoa fĂsica superendividada, pois, ao longo do procedimento, serĂĄ possĂvel relacionar todos os débitos e os respectivos credores, estabelecendo-se um Ășnico plano de pagamento.
"Não hĂĄ dĂșvida quanto à necessidade de fixação de um Ășnico juĂzo para conhecer do processo de superendividamento e julgĂĄ-lo, ao qual competirão a revisão e a integração dos contratos firmados pelo consumidor endividado e o poder-dever de aferir eventuais ilegalidades nessas negociações", concluiu Noronha.