Com base nas teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão que determinou a revisão do contrato entre um banco e uma empresa de transporte intermunicipal que teve suas atividades paralisadas em virtude da pandemia de Covid-19. Na avaliação do colegiado, a adequação do contrato é necessĂĄria para preservar seu equilĂbrio diante da queda abrupta e temporĂĄria do faturamento da empresa naquele perĂodo.
Apesar de confirmar a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), a turma afastou a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) ao caso, por entender que ele não regula os contratos de mĂștuo para fomento da atividade empresarial.
A empresa, em decorrĂȘncia dos decretos que suspenderam o transporte intermunicipal, ajuizou ação contra o banco pedindo a prorrogação do vencimento das cédulas de crédito bancĂĄrio emitidas durante a pandemia. As instâncias ordinĂĄrias determinaram a prorrogação das parcelas vencidas. O TJSP, ao manter a sentença, invocou o CDC para justificar a modificação de clĂĄusulas contratuais.
CDC não se aplica a empréstimos para fomento de atividade empresarial
A relatora do recurso do banco no STJ, ministra Nancy Andrighi, afastou a aplicação do CDC. "Nos termos da jurisprudĂȘncia do STJ, é inaplicĂĄvel o diploma consumerista na contratação de negócios jurĂdicos e empréstimos para fomento da atividade empresarial, uma vez que a contratante não é considerada destinatĂĄria final do serviço", observou.
Nancy Andrighi afirmou que, embora a definição de consumidor englobe não apenas os destinatĂĄrios finais de produto e serviço, mas também aqueles que comprovem vulnerabilidade técnica, jurĂdica, fĂĄtica ou informacional, a aplicação do CDC só é cabĂvel nessa segunda hipótese quando ficar efetivamente demonstrada a vulnerabilidade frente ao fornecedor.
Efeitos decorrentes da pandemia podem motivar revisão contratual
Apesar da inaplicabilidade do CDC, a relatora destacou que as instâncias ordinĂĄrias demonstraram a possibilidade de revisão contratual com base nas teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva, previstas nos artigos 317 e 478 do Código Civil.
Segundo a ministra, a paralisação das operações de transporte gerou perda abrupta de renda para a empresa, "tornando a prestação ajustada no contrato, ainda que temporariamente, excessivamente prejudicial à sua saĂșde financeira e econômica", com risco até mesmo de levĂĄ-la à falĂȘncia.
Nancy Andrighi lembrou que, para a jurisprudĂȘncia do STJ, a pandemia configura evento imprevisĂvel e extraordinĂĄrio, suficiente para, em tese, a partir das teorias citadas, permitir a revisão contratual. "Nessa linha de raciocĂnio, permitiu-se a revisão proporcional de aluguel em razão das consequĂȘncias particulares da pandemia da Covid-19 em relação a empresa de coworking cujo faturamento foi drasticamente reduzido no perĂodo", exemplificou.
Empresa teve atividades interrompidas por determinação do poder pĂșblico
A relatora comentou ainda que as rotas operadas pela empresa de transporte intermunicipal foram suspensas e que suas atividades foram impedidas por determinação do poder pĂșblico.
"A manutenção de cobrança de prestações mutuĂĄrias, nos moldes do originariamente pactuado para fomentar atividade que foi paralisada no perĂodo pandĂȘmico, mostra-se excessivamente onerosa, devendo-se revisar o contrato para preservar o seu equilĂbrio", concluiu a relatora ao negar provimento ao recurso especial.