Reconhecida competĂȘncia da JT para julgar ação de filha de mecânico autônomo falecido em acidente do trabalho

Por Redação em 15/08/2023 às 12:10:00
Os julgadores da Primeira Turma do TRT-MG decidiram, por unanimidade, que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações com pedido indenização decorrente de acidente do trabalho sofrido por profissional autônomo, ainda que a ação tenha sido ajuizada por dependentes ou herdeiros do trabalhador falecido.

Com esse entendimento, expresso no voto da juĂ­za convocada Adriana Campos de Souza Freire Pimenta, foi dado provimento ao recurso da filha de um mecânico autônomo, que ingressou com ação trabalhista contra a empresa, após perder o pai em razão de acidente de trabalho.

O profissional realizava a manutenção no sistema de freios de um veĂ­culo de carga nas dependĂȘncias da empresa, quando foi vĂ­tima do acidente que resultou no seu falecimento. Sentença oriunda da Vara do Trabalho de Santa Luzia declarou a incompetĂȘncia da Justiça do Trabalho para julgamento da ação e extinguiu o processo, sem analisar a questão central, por se tratar de trabalhador autônomo.

Mas, com base no artigo 114, inciso VI, da Constituição Federal, e na jurisprudĂȘncia consolidada na SĂșmula 392 do TST, os julgadores modificaram a sentença, para reconhecer a competĂȘncia da Justiça do Trabalho para o julgamento e determinar o retorno do processo à Vara de origem para o exame dos pedidos quanto ao mérito, como se entender de direito. Segundo pontuou a relatora, a existĂȘncia de uma relação de trabalho é suficiente para atrair a competĂȘncia da Justiça do Trabalho para o julgamento do caso, independentemente de haver, ou não, vĂ­nculo de emprego, ou mesmo de pedido nesse sentido.

Entenda o caso
Constou da sentença recorrida que existia entre as partes um contrato de natureza civil e não trabalhista, tendo em vista que a prova, principalmente testemunhal, evidenciou que o falecido era profissional autônomo, que prestava serviços de mecânica à empresa de forma eventual. Contribuiu para o entendimento adotado na sentença o fato de não ter havido pedido de reconhecimento de vĂ­nculo de emprego ou de recebimento de verbas trabalhistas. Na conclusão do juĂ­zo de primeiro grau, existiu entre o trabalhador e a empresa relação contratual regida pela legislação civil, caracterizada pela autonomia ou eventualidade na prestação de serviços, não cabendo à Justiça do Trabalho processar e julgar a ação, por incompetĂȘncia material absoluta.

Relação de trabalho, gĂȘnero em que se enquadra a espécie relação de emprego
Mas, de acordo com a relatora, apesar do entendimento adotado na sentença, a configuração ou não do vĂ­nculo de emprego entre o acidentado e a empresa não afasta a competĂȘncia da Justiça do Trabalho, conforme a interpretação consagrada na SĂșmula 392 do TST, segundo a qual:

"DANO MORAL E MATERIAL. RELAÇÃO DE TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO . Nos termos do art. 114, inc. VI, da Constituição da RepĂșblica, a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ações de indenização por dano moral e material, decorrentes da relação de trabalho, inclusive as oriundas de acidente de trabalho e doenças a ele equiparadas, ainda que propostas pelos dependentes ou sucessores do trabalhador falecido".

A relatora ressaltou que a sĂșmula é clara ao se referir à "relação de trabalho" e não à "relação de emprego", sendo esta Ășltima espécie da qual a primeira é gĂȘnero. "Isso porque a relação de trabalho é bem mais ampla do que a relação de emprego, designando as mĂșltiplas relações jurĂ­dicas cujo objeto seja o trabalho humano autônomo", destacou.

A juĂ­za convocada ainda registrou que o inciso IV do artigo 114 da Constituição Federal, ao dispor sobre a competĂȘncia da Justiça do Trabalho, também adota a expressão "relação de trabalho", o que afasta qualquer dĂșvida que poderia existir sobre a competĂȘncia da Justiça do Trabalho para analisar casos envolvendo a prestação de serviços por parte de profissionais autônomos.

Indenizações por danos morais e materiais
Por determinação dos julgadores da Primeira Turma do TRT-MG, o processo retornou à Vara do Trabalho de Santa Luzia, onde a juĂ­za de primeiro grau ouviu os depoimentos das testemunhas e analisou as demais provas produzidas.

Conforme apurou a magistrada, o mecânico faleceu em decorrĂȘncia de acidente de trabalho no pĂĄtio da empresa. Ele realizava a manutenção no sistema de freios do caminhão e estava embaixo do veĂ­culo, enquanto o empregado da empresa operava uma mĂĄquina de 12 toneladas chamada perfuratriz, acoplada ao caminhão. Em seguida, o empregado da empresa recolheu as patolas de travamento e o veĂ­culo desceu e passou por cima da vĂ­tima. A filha do mecânico autônomo falecido pretendia a condenação da empresa ao pagamento de indenizações por danos morais e materiais, bem como pensão mensal.

Entretanto, após analisar o conjunto de provas, o juĂ­zo de primeiro grau julgou os pedidos improcedentes, por entender que o trabalhador falecido agiu com independĂȘncia funcional. Com base nesse entendimento, o juĂ­zo de primeiro grau concluiu que não ficou provada a responsabilidade da empresa pelo acidente de trabalho que resultou na morte do trabalhador. Inconformada, a filha do mecânico recorreu da sentença pela segunda vez. Na anĂĄlise do segundo recurso, os julgadores da Primeira Turma do TRT-MG condenaram a empresa ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 100 mil, além do pagamento de indenização por danos materiais, na forma de dano material emergente (aquilo que a vĂ­tima perdeu), no valor de R$ 2.502,22.

"A Constituição da RepĂșblica, em seu artigo 7Âș, XXII, determina que é direito de todos os trabalhadores a redução dos riscos inerentes ao trabalho através das normas de segurança, saĂșde e higiene. Neste norte, reconhece-se que o dever de zelar pela segurança do trabalhador não decorre da subordinação jurĂ­dica ou de qualquer outro elemento caracterizador da relação de emprego. O dever de zelar pela segurança e saĂșde do trabalhador é imposto a todo aquele que goza dos benefĂ­cios do trabalho alheio, a par da falta de ingerĂȘncia na prestação dos serviços, ante a forma da contratação efetuada", finalizou a relatora. Atualmente, o processo aguarda decisão de admissibilidade do recurso de revista.

Fonte: TRT 3ÂȘ Região

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