Suspeição de delegado que atuou na investigação não basta para anular ação penal, decide Quinta Turma

Por Redação em 14/09/2021 às 07:16:54

A prova de suspeição de autoridade policial que atuou no inquérito, sem a demonstração de prejuĂ­zo para o réu, não é motivo para anular o processo judicial.

Com base nesse entendimento, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, negou provimento ao recurso especial interposto por um homem que ajuizou revisão criminal após descobrir que um delegado envolvido na investigação contra ele é filho de um suspeito, o qual não foi indiciado nem investigado.

Relator do recurso, o ministro Ribeiro Dantas afirmou que possĂ­veis irregularidades no inquérito não afetam a ação penal. "Não hĂĄ propriamente produção de provas na fase inquisitorial, mas apenas colheita de elementos informativos para subsidiar a convicção do Ministério PĂșblico quanto ao oferecimento (ou não) da denĂșncia. Também por isso, o inquérito é uma peça facultativa", observou.

Impossibilidade de opor suspeição ao policial

O recorrente foi condenado a 24 anos e oito meses por manter relações sexuais com adolescentes, usando uma rede de prostituição de menores. O inquérito foi instaurado e conduzido pelo Ministério PĂșblico, com o auxĂ­lio de policiais.

Após o trânsito em julgado da condenação, a defesa descobriu a suspeição do delegado e alegou que ele teria direcionado as investigações contra o recorrente para desviar a atenção de seu pai – um ex-delegado de polĂ­cia –, flagrado pela interceptação telefônica em conversa que indicaria ser ele também um cliente da rede de aliciamento de adolescentes.

O tribunal de origem não admitiu a revisão criminal por entender que a suspeição de autoridade policial não produz efeitos sobre o processo judicial, além de não ter sido provado o prejuĂ­zo sofrido pelo réu.

Ribeiro Dantas explicou que, conforme o artigo 107 do Código de Processo Penal, não é possĂ­vel opor suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito, mas elas deverão se declarar suspeitas quando houver motivo legal. Tal previsão – comentou o ministro – é bastante criticada pela doutrina, pela contradição entre o dever de a autoridade se declarar suspeita e o impedimento de que o investigado a aponte no inquérito.

Defesa não contestou conteĂșdo da interceptação telefônica

O relator registrou que a jurisprudĂȘncia do STJ considera que o descumprimento desse dispositivo legal – quando a autoridade policial deixa de afirmar sua própria suspeição – não torna nula a ação penal por si só, sendo necessĂĄria a demonstração de prejuĂ­zo (HC 309.299 e AgRg no HC 537.179).

Segundo o ministro, todos os elementos do inquérito considerados na sentença são submetidos ao contraditório durante o processo judicial – que é o momento adequado para contestĂĄ-los; até mesmo as provas irrepetĂ­veis, como a interceptação telefônica, passam pelo crivo do contraditório, ainda que diferido.

Ribeiro Dantas observou que, dos atos de investigação que tiveram alguma participação do delegado, apenas as interceptações telefônicas foram usadas para fundamentar a condenação, mas o seu conteĂșdo não foi contestado em nenhum momento pela defesa, que nem ao menos tentou demonstrar como a atuação do policial suspeito poderia ter contaminado a prova.

DĂșvidas sobre a conduta dos investigadores

De acordo com o relator, apesar dos indĂ­cios que surgiram contra o pai do delegado, "não foram conduzidas investigações posteriores sobre seu possĂ­vel envolvimento na prĂĄtica dos delitos apurados, o que inegavelmente causa bastante estranheza". Para ele, a relação de parentesco entre o policial e o suspeito torna "questionĂĄvel" a permanĂȘncia do primeiro no inquérito e levanta dĂșvidas sobre a omissão do MP em apurar a sua conduta.

Ao negar provimento ao recurso, a Quinta Turma determinou a remessa de cópias do processo, incluindo o voto de Ribeiro Dantas, para as corregedorias da PolĂ­cia Civil e do MP no estado, e também para a corregedoria do Conselho Nacional do Ministério PĂșblico.


Fonte: STJ

Comunicar erro
ALMT- Fiscalizar