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Justiça do Trabalho considera registro de conversas em WhatsApp meio de prova lĂ­cito para apuração de falso testemunho

Por Redação em 14/08/2023 às 12:12:00
Ao decidir controvérsia em ação envolvendo pedido de indenizações por danos morais e materiais feito por filho de trabalhador falecido em acidente de trabalho, a juĂ­za Solainy Beltrão dos Santos, no perĂ­odo em que atuou na Vara do Trabalho de SabarĂĄ, apurou a existĂȘncia de falso testemunho.

Por meio do registro de conversas no aplicativo WhatsApp, realizadas entre duas testemunhas ouvidas no processo, a juĂ­za constatou que uma delas reconheceu ter mentido em juĂ­zo quanto ao tempo em que teria trabalhado na empresa, embora, para a julgadora, as razões para tanto não tenham ficado muito claras.

Entenda o caso
O registro das conversas foi apresentado pela empresa com o objetivo de provar suas alegações de que a testemunha do autor mentiu ao prestar depoimento em audiĂȘncia.

O autor sustentou que a gravação das conversas seria ilĂ­cita e, dessa forma, não poderia ser aceita como meio de prova, tendo em vista que a testemunha "não tinha o conhecimento prévio de que estava sendo gravada".

Mas a tese do autor não foi acolhida pela magistrada, que reconheceu a validade da prova digital e determinou que o depoimento da testemunha fosse desconsiderado como meio de prova. A julgadora ainda determinou a expedição de ofĂ­cio ao Ministério PĂșblico Federal com cópia da sentença e documentos pertinentes, para a apuração de possĂ­vel crime de falso testemunho, previsto no artigo 342 do Código Penal.

Entendimento do STF
Na sentença, a juĂ­za ressaltou, inicialmente, não se tratar de gravação propriamente dita e sim de "registro de conversa no aplicativo do WhatsApp, em que se envia mensagens de texto, fotos e ĂĄudios". Em seguida, esclareceu que estĂĄ sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal-STF (RE 583.937-QO-RG, rel. min. Cezar Peluso, j. 19/11/2009) que a gravação de conversa feita por um dos interlocutores, ainda que sem o conhecimento do outro para fins de prova de direito, não é ilĂ­cita e pode ser usada em processo, desde que um dos interlocutores faça a gravação (gravação clandestina), que pode ser pessoal, telefônica ou ambiental. "Esse é, indubitavelmente, o caso dos autos, pois foi a testemunha (....), um dos interlocutores, quem fez a gravação", pontuou a magistrada, acrescentando que "tal espécie difere da interceptação telefônica, que é captação da comunicação por terceiro sem o conhecimento dos interlocutores".

A juĂ­za ressaltou ainda que a gravação clandestina tem sido considerada vĂĄlida pelo STF desde que observados os limites legais, por exemplo: ausĂȘncia de causa legal de sigilo ou reserva decorrente de relações profissionais ou ministeriais, de tutela da intimidade ou de outro valor jurĂ­dico. "Dessa forma, não hĂĄ falar em ilicitude da conversa trazida aos autos", concluiu na decisão.

Prova digital
Sobre a prova produzida (registro das conversas no WhatsApp), no entendimento da juĂ­za, não hĂĄ dĂșvida de que deve ser admitida, com base no artigo 332 do CPC, por ser "moralmente lĂ­cita". Segundo pontuou, diante da multiplicidade das relações sociais e conflitos decorrentes, as provas digitais tĂȘm adquirido importância, por trazerem registros digitais aos fatos que se pretende provar, tendo sido muito utilizadas no âmbito da Justiça do Trabalho.

Constou da sentença que a validade da prova digital depende de trĂȘs fatores: autenticidade, integridade e preservação da cadeia de custódia. "Tais pressupostos - que não são exclusivos das provas digitais - visam ao respeito à atividade probatória, permitindo que a prova digital seja utilizada no processo sem alegações de invalidade, preservando-se sua higidez com meio apto ao convencimento do julgador sobre a verdade dos fatos", explicou a magistrada, concluindo que, no caso, esses requisitos estiveram presentes.

"Houve autenticidade e integridade, pois intimado a se manifestar, o autor confirmou a existĂȘncia da conversa e até usou parte dela para a defesa da qualidade do depoimento da testemunha ouvida", observou a julgadora. Ponderou ainda que a "cadeia de custódia" foi preservada, tendo em vista a construção de um registro histórico da prova por meio de registro em cartório, conforme ata notarial que atestou a existĂȘncia da conversa, lavrada por tabelião, nos termos do artigo 384, caput e parĂĄgrafo Ășnico do CPC.

Documento dotado de fé pĂșblica e não impugnado quanto ao conteĂșdo
Na sentença, ressaltou-se que o documento contendo o registro das conversas no aplicativo do WhatsApp não foi impugnado pelo autor quanto ao seu conteĂșdo e deve ser considerado como meio de prova vĂĄlido, no termos do artigo 405 do CPC, sendo, inclusive, dotado de fé pĂșblica, jĂĄ que registrado em cartório.

Pela anĂĄlise do documento, assim como de ĂĄudios contidos em link apresentado pela empresa, a julgadora notou que a testemunha do autor, em conversa com uma testemunha da empresa, expressamente declarou que teve que mentir em audiĂȘncia, ao ser questionada pelo advogado (ao que tudo indica, o advogado da empresa) sobre questões relativas ao tempo em que teria trabalhado na ré.

"No atual estĂĄgio do processo civil democrĂĄtico, todos tĂȘm o dever de colaborar com a Justiça para a busca da verdade possĂ­vel (art. 378 do CPC) e, no caso das testemunhas, estas prestam o compromisso de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado, sendo advertidas que incorrem em sanção penal quem faz afirmação falsa, cala ou oculta a verdade, nos termos do que versa o art. 458, parĂĄgrafo Ășnico do CPC", concluiu a juĂ­za na sentença.

Reparações relativas ao acidente de trabalho - Dano moral - Pensão mensal - Motorista de carreta - Atividade de risco
O autor ingressou com a ação trabalhista pretendendo receber da empresa, entre outros, indenização por danos morais e materiais em decorrĂȘncia da morte do pai em acidente do trabalho. O pai foi vĂ­tima de acidente de trânsito fatal quando, na qualidade de empregado da ré, exercia a atividade de motorista de carreta.

Na sentença, foi reconhecida a responsabilidade objetiva da ex-empregadora pela ocorrĂȘncia do acidente que causou a morte do trabalhador, por se tratar de atividade de risco. Essa modalidade de responsabilidade estĂĄ prevista no artigo 927, parĂĄgrafo Ășnico, do Código Civil e dispensa a existĂȘncia de dolo ou culpa, configurando-se nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de terceiros. Em casos como esses, para o cabimento da compensação, basta a ocorrĂȘncia do dano e a presença do nexo causal.

"A função do reclamante, sem dĂșvida, envolvia riscos aos direitos da coletividade, sendo a jurisprudĂȘncia harmônica no sentido que 'a profissão de motorista se enquadra nas atividades consideradas de risco'", destacou a juĂ­za.

Culpa exclusiva da vĂ­tima não reconhecida
A empresa alegou que o acidente decorreu de culpa exclusiva do motorista, que agiu de forma imprudente, tendo em vista que o laudo pericial e leitura do tacógrafo demonstrou que ele trafegava em velocidade superior à permitida no trecho.

Mas a julgadora ressaltou não ter havido prova de que a conduta do trabalhador foi determinante para o acidente. Isso porque constou da perĂ­cia que o acidente decorreu da "perda do comando direcional" do caminhão, "por motivo que não pôde ser comprovado tecnicamente". Nesse quadro, para a magistrada, pode-se afirmar ter havido culpa concorrente do motorista, mas não exclusiva, o que é insuficiente para afastar o dever de indenizar, tendo em vista a presença do dano e do nexo de causalidade com o trabalho.

Danos morais
Constou da sentença que o dano, no caso, é presumindo, por serem evidentes a dor, o sofrimento e o abalo psicológico sofridos pelo autor em decorrĂȘncia da perda do pai. Ressaltou-se que a valorização do trabalho e da dignidade humana encontram respaldo Constituição Federal de 1988.

Com base nos artigos 5Âș, X e V, da CF/1988, bem como nos artigos 186 e 927 do Código Civil, a juĂ­za concluiu pela existĂȘncia de dano moral a ser reparado e condenou a empresa a indenizar o autor pela lesão moral decorrente da perda de seu pai, que exercia de atividade de risco.

O valor da indenização foi fixado na sentença em R$ 40 mil, considerando-se o carĂĄter compensatório e punitivo da reparação, o bem jurĂ­dico tutelado, a concorrĂȘncia no infortĂșnio, os reflexos sociais da ação da empresa e a intensidade do sofrimento.

Danos materiais
A empresa também foi condenada a pagar indenização por danos materiais ao autor, em razão da morte do pai, consubstanciada em pensão mensal, correspondente a 1/3 do valor recebido como salĂĄrio pelo empregado falecido, desde o mĂȘs subsequente à morte do trabalhador até a data em que o autor completar 21 anos, ou venha a falecer (por aplicação analógica do artigo 16, I, da Lei 8.213/1991).

Recurso – majoração da indenização
O autor interpôs recurso ordinĂĄrio, o qual foi decidido pelos julgadores da Primeira Turma do TRT-MG. Por unanimidade, foi acolhido o entendimento da relatora, juĂ­za convocada Ângela Castilho RogĂȘdo Ribeiro, que deu provimento parcial ao recurso, para elevar a indenização por danos morais para o valor de R$ 80 mil, bem como para fixar que a pensão devida ao dependente deve equivaler a 2/3 do salĂĄrio do pai, paga até o autor completar 24 anos, conforme limite do pedido.

"A indenização, em casos como destes autos, não tem o efeito de reposição da perda, no sentido de retornarem as partes ao status quo ante, até mesmo porque é impossĂ­vel, e, portanto, deve ser arbitrada ao prudente arbĂ­trio do julgador sempre com moderação, não podendo se constituir em enriquecimento do beneficiĂĄrio ou ser causa da desestabilidade financeira do causador do dano", destacou a relatora.

Para a elevação do valor da indenização por danos morais foram considerados todos os aspectos do caso, "notadamente o acidente fatal do empregado quando no desempenho de suas atividades e a capacidade econômica da reclamada".

Quanto ao valor da pensão mensal a ser paga ao herdeiro, entendeu-se que deve corresponder a 2/3 do valor do salĂĄrio do trabalhador, por considerar que o falecido despendia cerca de 1/3 dos rendimentos com despesas pessoais.

O reconhecimento de que a pensão deve ser paga ao autor até que ele complete 24 anos (limite do pedido) baseou-se em jurisprudĂȘncia pacificada no TST, no sentido de que a presunção de dependĂȘncia dos filhos menores, para fins de indenização civil, autoriza o deferimento da pensão, por lucro cessante, até os 25 anos, não se confundindo com a legislação previdenciĂĄria, no particular.

Houve recurso de revista, que foi analisado pelo TST. O processo jĂĄ retornou à Vara do Trabalho de SabarĂĄ, onde foi iniciada a fase de execução.

Fonte: TRT 3ÂȘ Região

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