Para a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Ministério PĂșblico (MP) tem legitimidade para propor ação civil pĂșblica em defesa de interesses individuais de vĂtima de violĂȘncia doméstica. De acordo com o relator, desembargador convocado JesuĂno Rissato, a ação civil pĂșblica pode ser utilizada não apenas para tutelar conflitos de massa, que envolvem direitos transindividuais, mas também para defender direitos e interesses indisponĂveis ou que detenham "suficiente repercussão social", servindo a toda a coletividade.
Após ter sido agredida pelo irmão, uma mulher procurou o Ministério PĂșblico de São Paulo, que requereu medidas protetivas de urgĂȘncia, as quais foram deferidas pelo juĂzo de primeiro grau. Quatro meses depois, o MP ajuizou a ação civil pĂșblica com pedidos para que o réu se afastasse da casa onde morava com a irmã e fosse proibido de se aproximar ou ter contato com ela.
Por considerar que o MP não possuĂa legitimidade ativa para propor tal tipo de ação, o juĂzo indeferiu a petição inicial. Na mesma linha, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou provimento à apelação, sob o entendimento de que a ação ajuizada com o nome de ação civil pĂșblica tinha, na verdade, natureza de ação civil privada, que não compete ao MP propor.
Legitimidade da atuação do MP se vincula à indisponibilidade dos direitos individuais
Em seu voto, o relator do recurso no STJ destacou que, conforme o artigo 25 da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), o MP tem legitimidade para atuar nas causas cĂveis e criminais decorrentes de violĂȘncia doméstica e familiar contra a mulher.
JesuĂno Rissato lembrou que, no julgamento do Tema 766 dos recursos repetitivos, a Primeira Seção do STJ definiu que o limite para a legitimidade da atuação judicial do Ministério PĂșblico se vincula à disponibilidade, ou não, dos direitos individuais a serem defendidos.
"Tratando-se de direitos individuais disponĂveis, e não havendo uma lei especĂfica autorizando, de forma excepcional, a atuação dessa instituição permanente – como no caso da Lei 8.560/1992, que trata da investigação de paternidade –, não se pode falar em legitimidade de sua atuação. Contudo, se se tratar de direitos ou interesses indisponĂveis, a legitimidade ministerial decorre do artigo 1Âș da Lei 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério PĂșblico)", explicou.
Medida protetiva de urgĂȘncia requerida tem natureza indisponĂvel
O magistrado ponderou que a medida protetiva de urgĂȘncia requerida para resguardar interesse individual de uma vĂtima de violĂȘncia doméstica e familiar tem natureza indisponĂvel, visto que a Lei Maria da Penha surgiu para assegurar o cumprimento de tratados internacionais de direitos humanos nos quais o Brasil assumiu o compromisso de resguardar a dignidade da mulher (a exemplo da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres).
"O objeto da ação civil pĂșblica proposta no presente caso é, sim, direito individual indisponĂvel que, nos termos do artigo 1Âș da Lei 8.625/1993, deve ser defendido pelo Ministério PĂșblico, que, no âmbito do combate à violĂȘncia doméstica e familiar contra a mulher, deve atuar tanto na esfera jurĂdica penal quanto na cĂvel, conforme o artigo 25 da Lei 11.340/2006", concluiu Rissato ao dar provimento ao recurso especial e reconhecer a legitimidade ativa do MP para representar a vĂtima na ação civil pĂșblica.